SKANK – CALANGO 15 ANOS por Ricardo Alexandre.
Eram quatro garotos em um estúdio com uma missão mais ou menos definida: estabelecer sua banda em um cenário em mutação profunda, como o da música jovem brasileira de 1994. “A gravadora não investe em você para ter um Skank, investe para ter uma Daniela Mercury”, dizia Samuel Rosa à revista Bizz. E a história do álbum Calango é a história de como esses quatro amigos mineiros começaram um ano como um bem-sucedido grupinho de dancehall de branco e o terminaram como um dos maiores fenômenos do pop nacional de todos os tempos.
Calango chegou às lojas em outubro de 1994, mas havia pelo menos um mês que sua versão para “É Proibido Fumar” bombava nas rádios de todo o país em um nível de rotação que o quarteto ainda não havia experimentado. Até então, apesar do sucesso razoável de músicas como “O Homem Q Sabia Demais” e “In(DIG)nação”, o Skank era visto mais com a simpatia geralmente dispensada aos grupos alternativos e já havia chegado ao ponto máximo que o circuito independente poderia oferecer. Faltava o “próximo passo”, e este veio por acaso, quando a gravadora Sony Music começou a montar um disco-tributo a Roberto Carlos produzido por Roberto Frejat. O barão convidou bandas e artistas de diversas fases do pop brasileiro, como Kid Abelha, Nação Zumbi, Lulu Santos e o próprio Barão Vermelho. Ao Skank coube “É Proibido Fumar”, lançada por Roberto em 1964. A idéia da gravadora era publicar o tributo Rei com grande estardalhaço, usando todo o seu potencial de marketing, e divulgá-lo a partir da regravação de “Se Você Pensa” de Lulu Santos.
Aconteceu que, nas vésperas do lançamento, a gravadora BMG vetou a participação de seu contratado Lulu. A Sony, ressabiada, optou por uma faixa de trabalho de uma banda da própria casa: o Skank. Espertamente, os mineiros somaram a verba de divulgação reservada para Rei com aquela prevista para seu segundo álbum, Calango.
Com uma dinheirama como nunca haviam visto, gravaram um videoclipe superproduzido que estourou na MTV e reverberou imediatamente nas FMs de todo o Brasil.
Resultado: quando Calango chegou às lojas, já era um dos discos mais aguardados daquele final de ano. E fez carreira com um rosário de sucessos que asseguraram a presença da banda na mídia até meados de 1996. Ao mesmo tempo, o disco ampliou a imagem do Skank até novos patamares. Primeiro porque o conectou ao que certa fatia da imprensa chamava na época de “MPopB”, uma música jovem legitimamente brasileira e sintonizada com o que se fazia pelo mundo. Eram “MPopB” tanto o hardcore com influência nordestina dos Raimundos quanto o mangue beat de Chico Science ou o heavy metal com batuques do Sepultura. Filtrado por essas lentes, o Skank se integrou perfeitamente àquela movimentação, com uma música de fortes tintas eletrônicas, influências britânico-jamaicanas, mas com os dois pés no folclore brasileiro: essa orientação está tanto no plantador de milho pai-de-oito de “Amolação”, na briga entre vizinhos em “A Cerca”, a defesa do caboclo brasileiro em “Pacato Cidadão” ou o funk lá no morro da Mangueira em “Jackie Tequila”. O próprio título do álbum, Calango, é uma citação a uma dança típica do norte de Minas, uma espécie de repente das Geraes que já havia sido experimentada pela banda numa versão de “O Homem Q Sabia Demais” e agora levada às últimas conseqüências em “A Cerca”.
Essas versões alternativas (como a própria “A Cerca” ganhou) são uma marca registrada do Skank desde sempre. Foi por causa de uma delas, por sinal, que o quarteto trabalhou pela primeira vez com o produtor Dudu Marote. O paulista era próximo da banda desde seu início e ganhou a missão de remixar “Baixada News” em 1993. Um ano depois, ele estava nos estúdios Nas Nuvens, no Rio de Janeiro, para cuidar das gravações de Calango. Dudu encontrou boa parte das demo-tapes do disco prontas (além do engenheiro de som mineiro Gauguin, que já havia trabalhado com o Skank em seu disco de estréia). Mesmo assim, teve tempo de contribuir para o estilhaçamento sonoro de Calango. Nas cinco ou seis semanas de estúdio, Dudu – um dos maiores especialistas brasileiros em música eletrônica – incluiu informações sonoras que tiraram definitivamente o Skank do gueto do reggae-dancehall do início e o colocaram como uma banda pop de horizontes ilimitados. Evidentemente, as batidas caribenhas continuam sendo o tom do disco (como o lover’s rock “Te Ver” ou o típico dancehall “Amolação”), mas já permitem vôos mais ousados que vão da jovem guarda ao drum’n’bass ou o bhangra indiano – vôos que seriam de fato empreendidos nos anos seguintes.
“homem-calango”, um personagem criado pelo ex-policial carioca Ilson Lorca, figura famosa nos carnavais de rua do Rio de Janeiro, que o Skank flagrou durante as transmissões dos jogos da Copa do Mundo de 1994. O “homem-calango” era a cara daquele momento de descoberta da própria brasilidade do pop-rock feito aqui, assim como o álbum Calango foi sua trilha sonora. Com uma bela ajuda do Plano Real, que injetou uma multidão de novos consumidores do mercado comprando seus primeiros CD-players, Calango vendeu 1 milhão e 200 mil exemplares e levou a banda a rivalizar com qualquer medalhão que, no início de carreira, pudesse servir de parâmetro para a aventura do Skank.