Carrossel(2006)

Movimento e cores nunca faltaram no carrossel de emoções do Skank e olha aí que lá se vão nada menos que 15 anos desde que essa roda iluminada começou a girar. Quem estava lá lembra bem: tudo aconteceu justamente numa época em que o mercado brasileiro praticamente dava como encerrado o movimento de pop-rock da década anterior.

Desconfiados mas atrevidos, os garotos de Belo Horizonte se recusaram a acreditar que não havia espaço para o novo e, com uma boa dose do velho espírito roqueiro faça-você-mesmo, gravaram um CD uma ousadia para tempos de vinil, ainda mais porque era (imagina!) feito de forma totalmente independente. Mas, ao saírem de casa mais cedo que as outras bandas, eles conseguiram guardar um bom lugar no carrossel daquela fervilhante e vertiginosa década de 90, liderando paradas e arrebatando corações com músicas como “É Proibido Fumar”, “Te Ver”, “É uma Partida de Futebol” e “Garota Nacional” faixa esta que ultrapassou as barreiras do país e fez dos caras de BH um fenômeno latino.

Mas o tempo passa, o público fica mais velho, os filhos nascem, novos admiradores chegam e uma nova geração de artistas briga por sua vez de também andar naquele brinquedo chamado sucesso. E o Skank se movimenta junto. De outra forma, não estaria aqui, lépido e fagueiro, para lançar Carrossel, nono álbum de sua carreira.

Para entender como é que Samuel Rosa (vocais e guitarras, muitas guitarras), Henrique Portugal (teclados), Lelo Zaneti (baixo) e Haroldo Ferretti (bateria) chegaram a esse disco de canções buriladas e psicodelia madura que você tem nas mãos, é preciso antes lembrar das voltas que o Skank deu. Lentamente, aquela banda foi trocando o reggae dancehall com aromas brasileiros dos primeiros discos por um rock clássico, farto em refrões e sonoridades e aquele som que, aos ouvidos de muitos, parecia uma ousadia inconseqüente (principalmente a partir do CD Maquinarama, de 2000), hoje em dia é o mais puro Skank. “Carrossel é o nosso disco mais homogêneo, a síntese da nossa fase 1 com a fase 2″, define Samuel, o principal melodista da banda.

Trocando em miúdos, o que ele quer dizer é que no novo disco o Skank não abriu mão das experimentações, mas se manteve firme no compromisso com a música para tocar no rádio e tudo sem forçar barras, com aquela naturalidade que só a quilometragem de estrada pode dar. De novembro a junho, os músicos ficaram em Belo Horizonte compondo, preparando as bases, acionando os letristas, ensaiando e gravando o resultado. Chegaram a 25 faixas, das quais 15 ganharam seu lugar em Carrossel. “Das 10 que sobraram, umas seis ou sete poderiam estar lá”, garante Samuel. É fertilidade e movimento, sem perder os ganchos pop.

Em caso de dúvida, vale começar o disco pelo primeiro single, “Uma Canção é Pra Isso”, parceria de Samuel com Chico Amaral, o mais constante dos colaboradores da banda. Um power pop de primeira, com citação de “Pinball Wizard”, do The Who, e letra que não esconde as intenções: “uma canção é pra trazer calor / é pra deixar a vida mais quente”. Se é permitido apostar em outro hit para Carrossel, as fichas vão para “O Som da Sua Voz”, outra de Samuel e Chico, com guitarras densas e emocionadas, beirando o Weezer, e mais um daqueles refrões capazes de prostrar o mais duro dos seres humanos: “quando a noite estender seu manto sobre nós / meu abrigo então será o som da sua voz”.

Abusando da clarividência amadora, uma faixa que também nasce com vocação para sucesso é a balada pianeira “Seus Passos”, de Samuel com César Maurício, vocalista da banda Radar Tantã. Eis aí uma digna sucessora de “Dois Rios” (aquele hit do CD Cosmotron, de 2003) na programação do radinho que existe na cabeça de cada um dos seguidores do Skank. Ela é bem assim como diz o refrão: “eu sigo seus passos / a caminho do coração”.

O título do disco é Carrossel, mas bem que poderia também ser Caleidoscópio. Porque, a cada giro da bolachinha sob o feixe de laser, novas cores se apresentam, em combinações sonoras que comovem, divertem, desorientam… De um lado, tem a garageira de “Até o Amor Virar Poeira”, jovem guarda com saturação nos amplificadores e um dos psicodélicos solos de guitarra de Samuel.

A viagem sixties pelas portas da percepção é refeita pelo Skank em faixas como “Panorâmica” (com intervenções de cravo e tímpano), “Balada Para João e Joana” (com a mais nova incorporação da banda: um banjo) e “Garrafas”, na qual Chico Amaral veste de imagens surrealistas uma composição de Lelo que poderia estar em qualquer um dos volumes da compilação Nuggets: “as garrafas jogadas no chão, as garotas vestidas ou não, os bongôs marroquinos no chão / e ela me mostrou o seu violão que eu dedilhei”. É puro Mutantes safra 1968.

Convidados especialíssimos deram as caras nesse Carrossel para partilhar da curtição do Skank. O ex-titã Nando Reis, parceiro desde o “É uma Partida de Futebol”, volta a compor com Samuel em “Eu e a Felicidade”, rock com violão folk, cordas, teclados Moog, solo psicodélico de guitarra e uma daquelas letras de inconfundível autoria: “e sem explicar eu olhei pra baixo / e vi no terreno um trevo de cinco folhas / que é muito mais raro / e eu entrei numa astronave”. Humberto Effe, do grupo carioca Picassos Falsos, reaparece em duas músicas com Samuel, “Cara Nua” e “Notícia”, que é uma suíte em três partes, nas quais rola de folk-country e psicodelia a drum’n’bass. Rodrigo F. Leão, do grupo paulistano Professor Antena, é outro que volta em discos do Skank, com “Anti-Telejornal”, uma das faixas de acento latino do disco (a outra é a tex-mex “Um Homem Solitário”, de Samuel Rosa, César Maurício e Chico Amaral). E por falar em César, que debuta em discos do Skank, ele também letrou “Lugar”, balada psicodélica de Samuel, com refrão forte à la “With a Little Help From My Friends” na versão de Joe Cocker. Mas a grande estréia nas letras de Carrossel é a de um outro ex-titã, Arnaldo Antunes, que compôs com Samuel a balada folk “Trancoso” fechando o CD em bem-vindo clima praieiro.

Para embalar essa criação tão rica em sonoridades, foi convocado o mestre dos timbres Chico Neves, que trabalhara com o Skank em Maquinarama e produziu 11 das 15 faixas de Carrossel. As outras quatro ficaram a cargo de Carlos Eduardo Miranda, uma referência espiritual do rock feito no Brasil a partir dos anos 90, célebre pela produção do primeiro disco dos Raimundos e pela força que deu ao Skank desde a fase independente mais que um produtor, um velho brother da rapaziada. E por falar em embalar, antes que alguém pergunte pela capa, ela foi feita por Marcus Barão em cima do quadro pop-surrealista Carousel of Souls, do artista americano Glenn Barr, integrante do movimento underground que vem fazendo a mais rock'n'roll das artes plásticas (e os discos de rock com as melhores capas). Glenn é da mesma turma de Kenny Scharf (que fez a arte da capa de Maquinarama) e dos Clayton Brothers (dos desenhos que ilustram a da coletânea Radiola, de 2004).

Tudo em casa, afinal não é de hoje que o Skank anda ligado nesse grande mundo véio de rock que gira e fascina, repleto de luzes e sons. Mas agora chega de papo furado, porque é hora de o Carrossel começar a girar no tocador de CDs.

Faixas

  1. Eu e a Felicidade
  2. Uma Canção é Pra Isso
  3. Até o Amor Virar Poeira
  4. O Som da Sua Voz
  5. Cara Nua
  6. Mil Acasos
  7. Lugar
  8. Notícia
  9. Garrafas
  10. Panorâmica
  11. Balada Pra João e Joana
  12. Trancoso
  13. Antitelejornal
  14. Seus Passos
  15. Um Homem Solitário
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